sábado, 5 de março de 2011

Palestina

Não, não fui para lugar nenhum (não ainda :), mas estou mantendo contato nas ultimas semanas com a Sandra, que é de Natal e está morando em Belém, na Palestina. Conversamos um pouco sobre os trabalhos que ela já desenvolveu e desenvolve por lá e resolvi divulgar parte do que ela realiza. Vou usar um texto que ela  fez sobre seu projeto e foi escrito em janeiro deste ano, depois publico algumas fotos aqui (não pedi autorizaçao ainda).  Fica a reflexão de que sempre é possível fazer algo, basta querermos, independente de quem somos, de onde estamos e dos inúmeros obstáculos ( lembrem-se, como diz a ASHOKA, "todo mundo pode mudar o mundo"). Há tanto além dos nossos problemas e ainda pensamos em carnaval...

"Há quase um ano comecei um pequeno projeto independente com cinco mulheres de Aida. Essas mulheres tinham muitas coisas em comum. Além de serem descendentes dos refugiadosde 1948 e ainda morar em campos de refugiados (sendo assim reconhecidas como"refugiadas" pela ONU), todas tinham um filho deficiente. Os maridos dessas mulheres trabalham na construção civil mas não têm empregos fixos, podendo ficar várias semanas, às vezes meses, desempregados. As dificuldades econômicas impediam as crianças deficientesde frequentar uma escola adaptada às suas necessidades. Essas mulheres, que tinham outros quatro ou cinco filhos, sofriam por não ter condições de dar a atenção e o cuidado necessários às suas crianças.

A maioria das crianças do projeto foram fetos perfeitamente normais e ficaram deficientes (físico e/ou mental) devido a complicações na hora do parto. Isso quer dizer que por causa dos check points, dos portões e blocos de concretos que bloqueiam as estradas e dos toques de recolher impostos pelo exército israelense, as grávidas nem sempre conseguem chegar a tempo aos hospitais. Muitas tiveram que atraverssar campos ou cidades cercadas de soldados israelenses, bombas de gás lacrimogêneo e snipers que atiram em tudo que se mexe antes de encontrar um médico ou enfermeira que pudessem ajudá-las. Ser palestino é difícil. Ser um palestino refugiado é ainda mais. Imaginem então ser palestino, refugiado e deficiente. Essas crianças enfrentam diariamente obstáculos que muitos considerariam intrasponíveis.

Para oferecer apoio e ajuda à essas mulheres, e seus filhos, nasceu o projeto "Noor" ("Noor" significa "luz" em Árabe). A idéia inicial era fazer reuniões semanais com as mães e tentar achar soluções para os problemas do dia-a-dia, tentar fazer com que a vida dessas crianças seja um pouco mais confortável. Oficinas de pintura e brinquedo foram organizadas, em um centro cultural do campo que nos cedeu uma sala, para oferecer um pouco de diversão à essas crianças que nunca saem de casa e raramente têm a oportunidade de brincar. Graças à algumas doações iniciais de amigos meus, pudemos comprar uma cadeira especial para o banheiro para uma criança e matricular duas outras em uma escola especializada. Mas logo nos demos conta que as doações não eram suficientes para atender às necessidades de todas as crianças. As doações também envergonhavam as mulheres, que preferiam trabalhar e ganhar o próprio dinheiro do que depender da caridade alheia. Foi então que tive uma idéia que fez toda a diferença. Duas vezes por mês, sempre aos sábados, eu convido um grupo de estrangeiros para ter uma aula de culinária palestina na casa de uma das mulheres que participam do projeto. Elas nos ensinam a preparar um prato típico, todos colocam a mão na massa e no final comemos juntos a refeição preparada, além de degustar do famoso café e doces árabes preparados pelas mulheres. Durante a "aula" os participantes têm a oportunidade de conversar com habitantes de um campo de refugiados, descobrir como é a vida nesses lugares e o que realmente significa viver sob ocupação militar. Depois do almoço levo o grupo para fazer um pequeno tour pelo campo de Aida, que hoje se encontra parcialmente cercado pelo muro de separação construído por Israel. A palavra "aula" ganha aqui um sentido mais amplo. Os participantes voltam para casa com a receita de um prato típico, provam da hospitalidade palestina, descobrem uma face da ocupação que até então não conheciam e patrocinam um projeto que oferece apoio às crianças deficientes do campo. As aulas começaram no mês de junho e com o dinheiro arrecadado (cada participante paga cerca de 30 reais pela aula,refeição e tour) nós já organizamos uma pequena viagem, ajudamos a comprar um estoque de fraldas descartáveis e compramos roupas de inverno para as crianças. O projeto está começando a ter bastante sucesso mas infelizmente, como trabalho sozinha, sem ajuda de nenhuma ONG, associação ou voluntário, não tenho tido muito tempo pra desenvolvê-lo e as aulas passaram a acontecer somente uma vez por mês. Hoje quinze mulheres participam do projeto, que beneficia dezoito crianças. A maioria das famílias moram no campo de Aida, mas algumas moram no campo de Aza, também em Belém. Várias outras mães de crianças deficientes me contactaram querendo se juntar à nós, mas infelizmente sou obrigada a recusar.Como expliquei acima, se tratar de um projeto independente, no qual trabalho sozinha e sem ajuda de outros voluntários sou obrigada a manter um número limitado de participantes..

O que esse projeto modesto tem a ver com resistência popular? Essas mulheres, filhas e netas de refugiados, moram em campos, construídos pela ONU como solução temporária aos problemas dos refugiados palestinos há mais de sessenta anos, e são condenadas à viver em um ambiente hostil e sufocante, cercadas pelo muro do Apartheid e vigiadas dia e noite pelos soldados israelenses. Como se a ocupação não tivesse castigado-as o suficiente, elas viram um filho saudável ficar deficiente por causa de complicações na hora do parto, muitas vezes causadas diretamente pela ocupação militar. Seus maridos estão desempregados porque a ocupação também estrangula a economia palestina. Essas mulheres cansadas de esperar a situação melhorar, a ocupação acabar, o dia em que seu povo terá justiça, decidiram arregaçaras mangas e lutar para que suas famílias vivam com um pouco mais de conforto. E ao contar suas histórias aos estrangeiros que participam das aulas de culinária, elas tentam sensibilizar o mundo às injustiças cometidas ao seu povo. O projeto Noor é mais do que uma maneira de arrecadar dinheiro para melhorar as condições de vida de famílias refugiadas, ele foi uma janela que se abriu para essas palestinas de onde elas dizem para o mundo "Nós não desistimos de ter esperanças. Resistiremos e lutaremos até o fim."

3 comentários:

  1. É realmente comovente essa história e tantas outras que infelizmente continuam acontecendo no mundo. O olhar da perspectiva de uma pessoa disposta a fazer algo pela mudança torna a idéia de um futuro melhor possível. Que cada um de nós possamos encontrar um modo de fazer a nossa parte. E aos que já encontraram, como você e a sua amiga Sandra, a nossa homenagem e sincero reconhecimento. Desejo LUZ nesse caminho de ajuda ao próximo que vocês estão trilhando de forma tão digna e humana.

    ResponderExcluir
  2. Me emocionei com a história de Sandra!!
    (A proposito voce é Sandra, irmã de Lila, que cozinha coisas deliciosas?? Rsrs)
    Parabens Sandra! Lindo trabalho... tão lindo que penso em levar seu exemplo para outras pessoas conhecerem. Passe seu contato!

    E Amigaaa, adorei voce ter colocado outro exemplo, que como voce esta batalhando pelo mundo afora por vida mais digna para as pessoas!!

    Beijoooss no coração!! Posta fotos \o/

    ResponderExcluir
  3. Gostaria de agradecer a Carolina por ter publicado o texto e a Alyane e Naty pelos comentarios tao bonitos. Eu sou a irma de Lila, sim. Como é que me descobriram? :-) Quem quiser entrar em contato comigo, e receber as newsletters sobre a Palestina (esse texto foi a newsletter do mes de janeiro) pode escrever pra noticiasdapalestina@gmail.com. E Naty, se quiser ver as "coisas deliciosas" que ando cozinhando, de uma olhada no meu blog de culinaria: papacapimveg.wordpress.com. Sandra

    ResponderExcluir