quarta-feira, 8 de setembro de 2010

APAF

Agora realmente começou a trajetória...De manha, mudança para a ONG APAF Muso Danbé, que vai ser o local que vou trabalhar nos próximos meses. A primeira vista funcionários, papéis e uma rotina normal. Dr Issa me chama para sairmos com o motorista daqui e eles me levam a uma casa grande, bem próximo a ONG. Quando eu entro tem um mulher sentada na varanda com vestes coloridas e um belo sorriso no rosto. Inconfudível, quando ela abriu os braços para me dar aquele abraço apertado, eu já sabia que se tratava de Jaqueline, a minha mentora nos próximos meses, uma senhora africana com toda uma vida dedicada as causas sociais e criadora da APAF. Me convidou para entrar e já foi logo perguntando se eu tinha tomado o café da manhã, se tinha dormido bem, se precisava de algo (sensação familiar). A casa, grande e com algumas imagens nas paredes que me lembraram a casa da minha avó (Jesus, o papa, Maria). Ahhh, agora descobri de onde vinha aquela estranha sensação familiar: ela me lembrava muito a minha avó devido todo aquele carinho e atenção... Perguntou como a minha família estava com a minha mudança, e disse para eu falar para todos que ninguém precisava se preocupar, porque eu tinha uma avó no Mali também e que ia cuidar muito bem de mim... Me falou dos filhos, dos netos, da sua trajetória nas causas sociais e me disse que faríamos um belo trabalho. Ainda completou: são dezesseis jovens, não é?? Pois eu acho que você vai ficar em primeiro (rsss).


Fui com Jaqueline encontrar Violet, que representa a ASHOKA aqui no Mali, mas ela não estava no escritório. Tomamos um café e conversamos um pouco sobre os principais problemas que as meninas que a APAF dá assistência enfrentam. E pelo que entendi, ela me falava de gestações indesejadas, mas totalmente ligadas a questão dos homens não assumirem a paternidade. Eram indesejadas somente por este fato, pelo que deu para entender...E ela me falou ainda dos abortos ilegais e dos infanticídios que aconteciam aos montes, mas após a criação da APAF, as coisas já tinham melhorado muito.

Me levou para almoçar em um restaurante, que acho que deve ser para turistas, já que a maioria das pessoas que ali estavam eram brancos, porque estava morta de preocupação com a questão de eu ser vegetariana. Perguntou umas 5 vezes porque eu não comia carne, e ainda disse que eu era a primeira pessoa que ela conhecia que era assim. Aqui só não come carne quem não pode comprar...

Após o almoço fomos para a casa dela, porque “ eu não poderia ficar sozinha na ONG já que não conheço ninguém” e lá ela fez a maior bagunça em seus armários a procura de panelas e alguns pratos para eu levar para o meu quarto e poder preparar as minhas próprias saladas. Saí de lá carregando panelas, pratos, toalhas, mosquiteiro, cadeiras...Fiquei pensando se teria espaço para tudo.

Dr Issa me chamou assim que cheguei na APAF para participar de um momento que ele chamou de “ conversa social” . Era uma menina que queria falar em particular. Fomos eu, O Dr Issa e uma outra funcionária. Ela começou o relato no dialeto deles, mas vi quando pediram para ser em Francês. Disse que há 04 meses trabalhava na casa de uma família, e logo relatou as investidas do patrão até consumar o fato. Resultado: gravidez de 8 semanas, perda de emprego e ainda falou algo em relação a patrão/dar medicamentos, que não entendi direito. Abriu a bolsa e tirou uns bolinhos e uma garrafa de refrigerante quase vazia. Mostrou que havia algo no fundo da garrafa e depois quebrou um bolinho no meio e vi que tinha comprimidos dentro do alimento. Era isso, o patrão tinha oferecido o lanche antes de mandá-la embora. Bebeu o refrigerante quase todo, mas percebeu o sabor estranho dos bolinhos. Provavelmente continham misoprostol para causar abortamento...Ficaram discutindo como iriam proceder, enquanto a menina estava de olhos baixos. Quis conforta-la, garantir que daria tudo certo, mas no fundo, eu não tinha essa certeza...Perguntei apenas a sua idade: 19 anos.

Dr Issa me chamou para acompanha-lo até a recepção e me mostrou uma outra menina que chorava muito. Essa não devia ter mais que 16 anos...Perguntei o que havia ocorrido, e ele disse que era mais um caso de alguém que não assumia a paternidade e por isso ela queria dar a criança. Somente depois que ele falou percebi que ela tinha um bebe no colo, envolto em alguns tecidos sujos. Pedi para ver a criança e perguntei quanto tempo de vida tinha, porque era muito pequena. Ela, entre os soluços, respondeu 4 dias. Tentei conforta-la, mas foi inútil, e também não sei se ela entendia francês.

Saí um pouco tonta dali, e perguntei a dr Issa se não tínhamos teste de DNA, ou algo que pela lei resolvesse esta situação. E ele apenas respondeu: esta é a nossa saúde materna...

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